Nos leilões judiciais é comum encontrarmos situações em que o que está sendo vendido não é a propriedade de um imóvel, mas sim os direitos referentes a um contrato de alienação fiduciária que alguém tem sobre esse bem. Esses leilões são frequentes, mas, infelizmente, muitos não resultam em vendas. Por que esses leilões falham em alcançar seus objetivos e como podemos abordar essa questão de forma justa e efetiva? Leia até o final para descobrirmos juntos.
Avaliando a Eficácia da Penhora de Direitos em Leilões
Se a penhora desses direitos não resulta em vendas efetivas, por que eles são penhorados? Faz sentido penhorá-los? Vamos explorar essas questões logicamente.
O principal objetivo de uma execução judicial é resolver uma dívida, e é aqui que os leilões desempenham um papel crucial. Eles são utilizados para vender os ativos ou direitos do devedor, com o intuito de pagar os credores.
A questão fundamental é: os direitos provenientes de um contrato de alienação fiduciária possuem valor comercial suficiente para gerar recursos que saldam ou ao menos minimizem a dívida?
Ora, se ao final do contrato o agente fiduciário se torna o proprietário pleno do imóvel, então esses direitos certamente têm valor comercial. Sendo assim, eles podem ser vendidos para arrecadar fundos e saldar a dívida.
Portanto, a legislação acerta ao permitir a penhora desses direitos. Mas então, se possuem valor comercial, por que esses leilões frequentemente não resultam em vendas? A resposta pode estar na maneira como esses direitos são avaliados.
Método Atual de Alienação de Direitos de AF
No método atual, o processo se inicia com a penhora dos direitos associados ao contrato de financiamento. O imóvel é então avaliado por um perito para que seja estabelecido seu valor de mercado. Este valor serve como base para a primeira praça do leilão e, caso não haja ofertas, uma segunda praça é realizada com a aplicação um desconto, normalmente de 50%, determinado pelo juiz.
Se houver arrematação, o vencedor do leilão não apenas paga o valor arrematado, mas também assume a posição do devedor original no contrato, comprometendo-se a continuar pagando o financiamento restante até obter a propriedade plena.
Exemplo Prático
Consideremos um caso ilustrativo:
Objeto Leiloado: Direitos de um contrato de alienação fiduciária sobre um imóvel de R$3 milhões.
Valor da entrada: R$600 mil (20% do valor do imóvel).
Valor Financiado: R$2,4 milhões (80% do valor do imóvel).
Valor Pago do Financiamento: R$150 mil (5% do valor do imóvel).
Saldo Devedor: R$2.25 milhões (75% do valor do imóvel).
Leilão:
Valor de Avaliação para Leilão: R$3 milhões.
Oferta Mínima em Segunda Praça: R$1.5 milhões (50% de desconto aplicado pelo Juiz).
Arrematação:
Pagamento do Arrematante: R$1.5 milhões.
Encargo Adicional pela Sub-rogação da Dívida: R$2.25 milhões (correspondente a 75% do financiamento restante).
Custo Total para o Arrematante: R$3.75 milhões.
Neste cenário, o arrematante assume um compromisso financeiro que ultrapassa o valor de mercado do imóvel, enfrentando uma carga financeira desproporcional e injusta. Enquanto isso, o devedor original, que investiu apenas R$750 mil no imóvel (R$600 mil da entrada + R$ 150 mil do financiamento), beneficia-se de uma injeção de R$1.5 milhões do leilão para saldar suas dívidas.
Consequências do Método Atual
Este desequilíbrio resulta em uma baixa participação nos leilões de direitos de AF, tornando o processo de execução extremamente ineficiente e prejudicial para todos os envolvidos — exceto para o devedor, vejamos:
Para o Arrematante: Alto custo e encargos adicionais que desestimulam a participação no leilão.
Para o Devedor: Um ganho indevido, incentivando comportamentos de inadimplência ao perceber que o sistema pode ser manipulado a seu favor.
Para o Credor: O risco de não ter o crédito satisfeito, pois o alto custo total desencoraja potenciais arrematantes.
Para a Justiça: Esforço e recursos despendidos em um processo cujo resultado muitas vezes é infrutífero e não atinge o objetivo de satisfação do crédito.
Esta prática não apenas perpetua a ineficácia, mas também promove uma injustiça que distorce o propósito dos leilões de direitos de alienação fiduciária.
Para um comprador, é justo pagar um valor baseado na totalidade do imóvel e apenas adquirir os direitos correspondentes ao valor já pago pelo devedor? Faz sentido avaliar e leiloar um imóvel pelo valor total, mesmo quando o devedor não tem a totalidade deste imóvel?
Imagine esta situação: você quitou 100% de um financiamento e se tornou proprietário pleno de um imóvel. Se por outra dívida seu imóvel é levado a leilão, é justo que o valor arrecadado seja o mesmo tanto para você quanto para alguém que pagou apenas parte do financiamento?
Identificando do Erro no Procedimento Atual
O erro não está na estrutura do procedimento — penhora, avaliação, leilão, distribuição dos valores — mas sim no objeto da avaliação. Se ao arrematar direitos devo assumir as obrigações de um contrato, então o que está realmente sendo leiloado é um contrato, não um imóvel. Assim, o que deve ser avaliado é a posição do devedor no contrato de alienação fiduciária, não o valor do imóvel. Na verdade, o valor do imóvel é irrelevante. Ele é apenas consequência do cumprimento de um contrato.
Solução: Avaliação Baseada nos Direitos
Para corrigir as ineficácias e injustiças nos leilões judiciais de direitos de alienação fiduciária, devemos adotar uma abordagem de avaliação que reflita o verdadeiro valor dos direitos penhorados. Essa abordagem justa e lógica se baseia no montante já pago pelo devedor no contrato de financiamento, proporcionando uma representação mais exata do que realmente são os direitos leiloados.
Como avaliar os direitos: Intimação do Credor Fiduciário
Para avaliar os direitos, é crucial intimar o credor fiduciário para apresentar detalhes atualizados do contrato de financiamento. Este procedimento revelará o valor já pago pelo devedor, servindo como base para a avaliação dos direitos, e esclarecerá o saldo restante, oferecendo transparência sobre a posição financeira que o arrematante assumirá.
Além disso, essa abordagem pode resultar em significativos ganhos financeiros e de tempo, eliminando a necessidade de custear um perito judicial e dispensando a complexa avaliação que exige agendamento prévio e a presença in loco do expert.
Portanto, além de mais justa, essa metodologia se torna mais eficiente e menos onerosa para o trâmite da execução.
Exemplo Prático da Solução Aplicada
Consideremos o mesmo cenário apresentado anteriormente:
Objeto Leiloado: Direitos de um contrato de alienação fiduciária sobre um imóvel de R$3 milhões.
Valor da entrada: R$600 mil (20% do valor do imóvel).
Valor Financiado: R$2,4 milhões (80% do valor do imóvel).
Valor Pago do Financiamento: R$150 mil (5% do valor do imóvel).
Saldo Devedor: R$2.25 milhões (75% do valor do imóvel).
Leilão Baseado no Valor Pago:
R$750 mil no imóvel (R$600 mil da entrada + R$ 150 mil do financiamento)
Oferta mínima em segunda praça: R$375.000 (50% de desconto aplicado pelo Juiz).
Consequências do Leilão:
Para o Arrematante:
Pagamento da arrematação: R$375 mil
Encargo Adicional pela Sub-rogação da Dívida: R$2.25 milhões (correspondente a 75% do financiamento restante).
Custo Total para o Arrematante: R$2.625 milhões
Para o Credor Processual:
Recebe R$375 mil que serão aplicados na redução ou quitação do saldo devedor.
Para o Devedor:
Não recebe nenhum ganho indevido, enfrentando apenas as consequências de sua inadimplência inicial
Para o Credor Fiduciário:
Estabelece um novo contrato com o arrematante, mantendo o imóvel como garantia
Vantagens da Solução
Esta abordagem não apenas alinha o processo de leilão com a realidade econômica e legal dos contratos de financiamento, mas também promove um ambiente mais atraente para potenciais arrematantes, aumentando a probabilidade de lances competitivos. A justiça é beneficiada pela maior eficiência e eficácia nas execuções, maximizando a probabilidade de satisfação dos créditos envolvidos sem gerar benefícios indevidos ou prejuízos desproporcionais para qualquer das partes.
Ao realinhar a avaliação com o valor real dos direitos de alienação fiduciária, o sistema jurídico dá um passo importante em direção à equidade, eficiência e transparência, fortalecendo o tecido da justiça econômica e reafirmando seu compromisso com a resolução justa de disputas financeiras.
Pioneirismo na Implementação da Solução
A implementação da solução proposta não enfrenta obstáculos legais. O desafio atual não é a falta de fundamento, mas a necessidade de consolidar essa prática através de uma jurisprudência robusta e bem estabelecida. Para isso, é essencial a atuação de advogados diligentes e juízes inovadores, que estejam dispostos a adotar e promover melhores métodos que garantam a eficácia e a justiça nos processos judiciais.
Assim, o caminho para a implementação plena desta solução passa pela educação e pela iniciativa de profissionais jurídicos que reconheçam a importância de adaptar o sistema legal às realidades econômicas e sociais contemporâneas. Com a colaboração ativa desses agentes, é possível criar um ambiente onde as inovações jurídicas não apenas prosperem, mas sejam também sustentáveis, garantindo resultados mais justos e equitativos para todos os envolvidos.
Disclaimer
Os exemplos apresentados neste texto são estritamente ilustrativos e destinam-se a esclarecer os pontos discutidos. Os valores mencionados não incluem juros, custos adicionais ou outros encargos que possam ser aplicáveis na realidade dos processos de leilão de direitos de alienação fiduciária. Além disso, este texto reflete a opinião pessoal do autor sobre um tema complexo e em constante evolução, que ainda não possui uma solução jurídica consolidada. As ideias e propostas aqui apresentadas buscam estimular o debate e a reflexão sobre possíveis melhorias nos procedimentos legais, não representando aconselhamento jurídico ou diretrizes formais.
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